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Sistema ferroviário da região metropolitana ainda precisa de R$ 600 milhões, afirma secretário de transportes

Integração entre barcas, trens e ônibus são fundamentais para melhorar a mobilidade urbana, afirmam especialistas e gestores no seminário ’Rio Metropolitano: desafios compartilhados’; governo vai anunciar novo Plano Diretor de Transportes Urbanos no próximo mês

O economista Vitor Mihessen saiu de casa, em Niterói, e caminhou por 10 minutos até a estação das barcas. Lá, esperou por mais 10 minutos a embarcação em direção ao Rio para evitar o trânsito da Ponte. A viagem durou 20 minutos e, ao saltar, Vitor caminhou por mais cinco até o ponto de ônibus da Praça XV, de onde seguiu para a Central. Lá, esperou 15 minutos pelo trem que seguiria em direção a Japeri, que o deixou, 40 minutos depois, em Nova Iguaçu. Da estação, pegou um táxi que custou R$ 15 até o auditório do Senai, onde faria uma palestra no seminário ’Rio Metropolitano: desafios compartilhados’ sobre nada mais, nada menos do que mobilidade urbana. O trajeto durou duas horas e, no total, Vitor gastou R$ 24,20.

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A odisseia de Vitor — coordenador de Informação da Casa Fluminense — ilustra bem a dificuldade de locomoção na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tema desse segundo seminário do ciclo realizado pelo IETS e pela Câmara Metropolitana de Integração Governamental, nesta quarta-feira, 13 de maio. Não à toa, dos oito palestrantes do evento, apenas Vitor foi de transporte público. Os outros foram de carro próprio, carona ou de helicóptero — caso este do secretário de Estado de Transportes, Carlos Roberto Osório, que precisava pegar um voo para São Paulo logo em seguida.

Considerada a mais problemática do Brasil do ponto de vista da mobilidade, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro pode começar a avançar no planejamento integrado dos meios de transporte. Em sua fala, Osório anunciou que os secretários de transportes dos 21 municípios da região se reuniriam nesta quinta-feira, 14 de maio, para conhecer o novo Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU). O PDTU servirá de base para os planos diretores municipais, que uma lei de 2012 tornou obrigatórios para todas as cidades acima de 20 mil habitantes.

“O PDTU será a plataforma comum a partir da qual os municípios deverão inserir suas especificidades”, explicou Osório. “A ideia é evitar que plano de mobilidade de Mesquita não seja integrado com o de Belford Roxo ou Nova Iguaçu, por exemplo”, completou. Segundo ele, o PDTU será apresentado na íntegra no próximo mês.

O debate reuniu em Nova Iguaçu também o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani; o diretor regional da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP-RJ), William Alberto de Aquino Pereira; a diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Clarisse Linke; o vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), José Armênio de Brito Cruz; a diretora de Mobilidade Urbana da Fetranspor, Richelle Cabral; e o especialista Riley Rodrigues de Oliveira, da Firjan.

Os especialistas ressaltaram a importância de associar o planejamento e o investimento em transporte a outros setores da vida urbana, como políticas de emprego, zoneamento urbano e incentivos para o uso do solo.

“O objetivo deste encontro é abordar temas ainda polêmicos para alguns segmentos da sociedade”, explicou diretor executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental, Vicente Loureiro, referindo-se à participação do setor privado na implementação de serviços essenciais para a população metropolitana. “Como já ensinaram algumas metrópoles do mundo, as soluções precisam ser integradas.”

Prioridade para a Baixada

“Nossa prioridade absoluta na Baixada e no Leste fluminenses é o transporte”, declarou Osório, frisando a importância de se investir em modais de alta capacidade, sobretudo os 250 km de vias férreas da região metropolitana. Segundo ele, até o fim de 2016, toda a frota de trens estará renovada, com 120 novas composições.

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Mas “só isso não basta”, alertou. Ainda são necessários R$ 600 milhões para aprimorar a segurança viária, o que inclui a reforma dos trilhos, a construção de pontes, muros etc. “Fizemos esse pedido ao Ministério das Cidades e esperamos a liberação de R$ 100 milhões ainda este ano”, contou Osório. O secretário também lembrou que a ligação entre Deodoro e Honório Gurgel entrou em funcionamento apenas no final de 2014.

Otimista em relação ao momento de crise pelo qual o estado e os municípios do Rio têm passado, o secretário planeja montar um centro integrado de monitoramento de transportes da região metropolitana. “Não temos informações adequadas para passar aos nossos passageiros, pois cada modal de transporte trabalha voltado para si”, disse.

O otimismo autodeclarado de Osório não foi compartilhado por todos os palestrantes. William Alberto de Aquino Pereira, diretor regional da ANTP, criticou a abordagem “reativa” aos problemas de mobilidade e a demora na concretização dos projetos. “Essa proposta de ligar Honório Gurgel a Deodoro por linha férrea já existe há mais de trinta anos”, afirmou. “Plano [de transporte] não é papel, é vida.”

Emprego e deslocamento

As duas horas que Vitor demorou para chegar de Niterói a Nova Iguaçu por transporte público são realidade para boa parte dos moradores da região metropolitana. Em sua apresentação no seminário, o economista mostrou que a Baixada Fluminense tem os piores índices de tempo gasto no deslocamento de casa para o trabalho ou estudo, ultrapassando a média de uma hora indicada pela ONU. “Em Japeri, gastam-se 71 minutos; em Queimados, 60 e, em Belford Roxo, 62”, comparou.

A dificuldade de acesso aos meios de transporte geram não só um gasto de tempo maior no deslocamento, mas também a escolha de não se deslocar. Somado à baixa oferta de emprego perto de casa, esse fator explica em parte a alta taxa de empregos informais em diversos municípios da região.

Numa apresentação bastante complementar à de Vitor, o especialista da Firjan Riley Rodrigues de Oliveira mostrou que em Japeri, por exemplo, 89% da população não encontram emprego formal. Na Cidade Nova, no Centro do Rio, a realidade é oposta: há 230 empregos para cada morador. "Não medimos mais distância em quilômetros”, provocou ele, mostrando que, nos últimos vinte anos, houve crescimento de 14% entre as pessoas que demoram mais de duas horas por dia no deslocamento entre suas casas e seus locais de trabalho ou estudo.

Segundo Vitor, é importante haver equilíbrio entre emprego e moradia. “O Rio de Janeiro é o maior concentrador de empregos, com 74% da região metropolitana, ao mesmo tempo em que concentra 53% da população”. Além do Rio, os municípios de Itaguaí, Rio Bonito e Niterói também apresentam um equilíbrio entre a população em idade ativa e a oferta trabalho.

Adensamento populacional

A diretora executiva do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Clarisse Linke, ressaltou que o crescimento da população urbana de forma não planejada é um problema grave: “triplica-se o espaço ocupado, ou seja, acontece um espraiamento urbano de forma muito acelerada em comparação com o desenvolvimento social, criando espaços que demandam mais recursos.”

A forma de se deslocar no território está cada vez mais ineficiente, segundo Clarisse, e “isso está causando um impacto negativo sobre o residente e o próprio poder público”. Enquanto o governo precisa levar infraestrutura para novas áreas ocupadas sem planejamento, o acesso ao transporte ainda é muito desigual: “as famílias com rendas mais baixas se deslocam duas vezes menos que as famílias com mais renda.”

O vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, José Armênio de Brito Cruz, também frisou a importância de adensar a metrópole: São Paulo, segundo ele, tem pouco mais de 100 habitantes por hectare; Nova York, por ouro lado, beira os 300. “Isso denuncia a inviabilidade econômica da cidade”, criticou.

"[Implementar BRTs] é uma decisão extremamente política." Richele Cabral, diretora de Mobilidade da Fetranspor

Metrô, trem ou BRT

Embora a maioria dos participantes tenha enfatizado a importância de se investir em transportes, a diretora de mobilidade urbana da Fetranspor, Richele Cabral, apresentou o plano de implantação de 10 BRTs (sigla para Bus Rapid Transit) na Região Metropolitana do Rio. No total, eles custariam R$ 3,5 bilhões.

“[Implementar BRTs] é uma decisão extremamente política", assumiu ela, acrescentando em seguida as vantagens do sistema em relação ao trem e ao metrô: tempo de implantação e custo inferiores. “Num momento em que é preciso dar velocidade para a população no menor tempo possível, o BRT é uma boa decisão.” Atualmente, há dois BRTs em operação, o Transoeste e o Transcarioca.

O projeto da Fetranspor prevê para 2016 a inauguração da primeira parte do Transbrasil, que fará a ligação Fundão-Centro da cidade. A segunda parte desse BRT entraria em operação em 2017, completando o trajeto Deodoro-Centro. Richele também mencionou o projeto de mais oito linhas.

Para Rafael Picciani, secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro, os BRTs trouxeram muitos ganhos, e a “expansão dos corredores são uma mostra da mudança de paradigma foi acertada”. Ele ainda apresentou dados sobre o aumento dos serviços de alta capacidade, que em 2009 era de 18% e têm previsão de aumento para 63% em 2015.

Já para Riley, "no longo prazo, solução não é fazer obra, o que é caro. É reordenamento do território". Picciani rebateu a afirmação do especialista da Firjan argumentando que "há inciativas pontuais e paliativas que ajudam”.

Próximo seminário debaterá segurança pública

O próximo encontro ciclo ‘Rio Metropolitano: Desafios Compartilhados’ será sobre Segurança Pública, no Teatro Municipal de Niterói, em 20 de maio. Participarão do debate o secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Pedro Strozenberg; a diretora presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Joana Monteiro; o cientista político João Trajano Sento-Sé, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ); o chefe do estado maior geral da Polícia Militar do Rio, coronel Robson Rodrigues; e o subsecretário de Segurança Antonio Roberto Cesário de Sá.


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