Projetos

Desenvolvimento com justiça social: esboço de uma agenda integrada para o Brasil

julho de 2001 - dezembro de 2001

Introdução

Desigualdade, bem-estar e desenvolvimento

A construção de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, tendo como eixo a justiça social e a qualidade de vida, pressupõe que a pobreza é nosso problema mais urgente, mas a desigualdade é nossa maior doença.

A pobreza aflige cerca de 53 milhões de brasileiros, dos quais 22 milhões encontram-se em condição de miséria. Esses valores enormes em termos absolutos são incompatíveis com o grau de desenvolvimento econômico do País. Algo como 75% da humanidade vive em países com renda per capita, corrigida pela paridade de poder de compra, inferior à brasileira. A causa básica deste paradoxo está no fato de termos uma das mais elevadas desigualdades de renda do mundo. A intensidade dessa desigualdade coloca o Brasil distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário mundial, como razoável em termos de justiça distributiva.

A desigualdade de renda no Brasil é essencialmente estável ao longo das últimas décadas. As pessoas que se encontram entre os 10% mais ricos da população se apropriam de cerca de 50% do total de renda das famílias, enquanto, no outro extremo, os 50% mais pobres detém pouco mais de 10% da renda. E isso há pelo menos 30 anos. A estabilidade da desigualdade atravessa os mais variados ciclos institucionais, políticos e econômicos da história recente do País.

A persistência da desigualdade no Brasil está diretamente associada à naturalidade com que é encarada, como se não fosse a decorrência de um processo histórico específico, ou uma construção econômica, social e política deliberada. A naturalização da desigualdade é fincada em raízes históricas profundas, ligadas à escravidão e à sua abolição tardia, passiva e paternalista; e também ao caráter inicialmente elitista (República Velha), e depois corporativista (era Vargas) de parte considerável do período republicano. Desigualdade que resulta de um acordo social excludente, que não reconhece a cidadania para todos, onde a cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, também são distintos os direitos, as oportunidades e os horizontes.

Ligada à naturalização da desigualdade, mas também constituída por um núcleo de percepções sociais peculiar e independente, está a invisibilidade da pobreza. Embora se concentrem, cada vez mais, nas cidades e, sobretudo, nas favelas, nos cortiços e nas ruas das grandes regiões metropolitanas, os pobres continuam em sua maioria invisíveis aos olhos dos formuladores e dos gestores das políticas públicas. Chama-se de classe média no Brasil as pessoas que têm um padrão de consumo semelhante ao da classe média americana e européia. A chamada classe média brasileira está no topo da pirâmide social e, estatisticamente, encontra-se na faixa das pessoas mais ricas do país. A renda familiar per capita mensal não precisa atingir 700 Reais para que se esteja entre os 10% mais ricos da população brasileira. Os grupos "pobres" mais visíveis, demandantes ou articulados, como diversas categorias de "colarinho azul", os prestadores de serviços domésticos para as famílias abastadas e as categorias inferiores do setor público, são, no sentido estatístico, a verdadeira classe média brasileira, situando-se na parte central da distribuição de renda.

No Brasil, os extremamente ricos, os ricos e até, em certa medida, os de classe média, operam socialmente como aliados para garantir acesso privilegiado aos recursos e bens públicos, em detrimento dos pobres e miseráveis. Aproximadamente um terço da população brasileira está soterrada na base da pirâmide social, amordaçada pela própria ignorância e camuflada até mesmo nos ambientes socialmente heterogêneos em que habitam.

São esses, portanto, os pobres invisíveis, que precisam ser trazidos à luz e impostos à consciência moral da Nação. São o coração do projeto de desenvolvimento proposto neste documento.

Este documento se baseia numa jornada de discussões organizada pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) no dia 29 de outubro de 2001, da qual participaram:

André Urani (IE-UFRJ e IETS), Fernando Dantas (O Estado de São Paulo), Francisco Ferreira (PUC-Rio e IETS), Jailson de Souza e Silva (UFF e IETS), José Arnaldo Rossi (FIRJAN e IETS), José Márcio Camargo (PUC-Rio e IETS), Liszt Vieira (PUC-Rio e IETS), Manuel Thedim (IETS), Marcos Lisboa (EPGE/FGV e IETS), Octavio Amorim Neto (IUPERJ e IETS), Paulo Haus Martins (IETS), Ricardo Henriques (UFF, IPEA e IETS) e Ricardo Paes de Barros (IPEA e IETS).

O documento não reflete necessariamente os pontos de vista de todos os participantes do evento, nem de todos os sócios do IETS.