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Apesar da violência, homicídios caem no estado do Rio em 2015, aponta ISP

Dados foram anunciados em seminário que reuniu pesquisadores, gestores e subsecretário de segurança e mostrou importância dos municípios na prevenção da violência

Na manhã desta quarta-feira, 20 de maio, duas histórias de violência brutal comoviam o Rio de Janeiro. O adolescente Gilson da Costa Silva, de 13 anos, e o carregador Wanderson de Jesus Marins, de 24, eram enterrados no Cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador, após terem sido atingidos por disparos de um policial civil no Morro do Dendê. Poucas horas antes, era anunciada a morte do médico Jaime Gold, 57 anos, esfaqueado por assaltantes na noite anterior, na Lagoa.

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No mesmo dia em que essas histórias trágicas se desenrolavam, a diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Joana Monteiro, anunciou que o número de homicídios dolosos no estado caiu 22% nos quatro primeiros meses de 2015, em comparação com o mesmo período de 2014. A apreensão de menores infratores, por outro lado, aumentou 62% neste mês de abril, em comparação ao mesmo período do ano passado. A divulgação ocorreu durante o seminário ’Rio Metropolitano: Desafios Compartilhados’, que discutiu segurança pública no Teatro Municipal de Niterói.

Também presente ao seminário, o subsecretário Roberto Sá anunciou a inauguração da sede da primeira Região Integrada de Segurança Pública (RISP) da Baixada, ainda este ano: “só falta a licitação”, avisou. E o coronel Robson Silva, chefe do Estado Maior da PM, anunciou a criação de um Batalhão de Polícia de Proximidade da Tijuca, que será calcado na Companhia Integrada de Polícia de Proximidade (CIPP), no Grajaú.

A divulgação de algumas ’boas notícias’ num momento em que a cidade tentava lidar com o choque de tanta violência, pode parecer contraditória. Como mostrou o debate, o contexto da segurança pública é complexo; o número de homicídios na Região Metropolitana do Rio ainda é muito alto, sobretudo na Baixada Fluminense.

Realizado pela Câmara Metropolitana de Integração Governamental e pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), o debate reuniu no Teatro Municipal de Niterói também o cientista político João Trajano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ); e o secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER), Pedro Strozenberg. Sempre presente nas discussões sobre segurança pública, o tema das UPPs foi pouco mencionado pelos debatedores.

“Nos dois primeiros seminários, abordamos temas mais relativos a infraestrutura, como saneamento e mobilidade urbana, mas percebemos que havia uma relação entre essas temáticas e questões sociais, como a violência”, explicou o diretor executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental, Vicente Loureiro. “Só vamos vencer os desafios de segurança pública com um olhar mais integrado e buscando correlações entre pobreza, iniquidade, desigualdade e violência presentes no território metropolitano”, continuou.

O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, lembrou que o Rio é o estado mais ‘metropolizado’ do Brasil, já que 75% da população fluminense vive na região metropolitana. “Foi essa população metropolitana que viveu de forma mais acentuada as crises das décadas de 1980 e 1990, quando o estado perdeu densidade econômica, PIB e se desindustrializou. Assim, construir uma agenda pública de intervenções nessa região metropolitana é inadiável”, concluiu o prefeito.

"O caso do menor infrator talvez exija mais integração entre os entes públicos e menos atuação da polícia." Joana Monteiro, presidente do ISP

Baixada é região mais violenta

Joana Monteiro, diretora presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP) apresentou a evolução da taxa de homicídio no estado do Rio desde os anos 1990. De 1991 a 2014, houve uma queda acentuada, de 51 mortes por 100 mil habitantes para 30. A redução, entretanto, beneficiou de forma desigual os municípios. A violência se concentra na região metropolitana e, mais especificamente, em alguns municípios – como Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti e São Gonçalo.

“Apenas quatro setores censitários [a menor medida de território do IBGE] concentram 75% dos homicídios da região”, acrescentou Joana, que no entanto ressaltou que o número de homicídios no período de janeiro a abril de 2015 caiu 26% em relação a 2014 na Baixada. Essa desigualdade, lembrou ela, não é particular do Rio de Janeiro: em Buenos Aires, por exemplo, cinco comunas concentram 35% da população e 74% dos homicídios.

A diretora do ISP também revelou que houve um aumento de 62% no número de apreensões de menores de idade em abril de 2015, em relação ao mesmo mês de 2014. Esse número, segundo ela, demanda reflexão e ação. Ela foi enfática em se posicionar contra a redução da maioridade penal. “O caso do menor infrator talvez exija mais integração entre os entes públicos”, ponderou Joana. “E, entre eles, o que menos deve trabalhar é a polícia”, concluiu.

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Juventude e violência

A violência também é concentrada em relação a grupos etários, raça e gênero. “Precisamos pensar a segurança dentro de um cenário extremamente desigual”, lembrou o secretário executivo do Iser, Pedro Strozenberg. Segundo os dados da Anistia Internacional, entre os jovens, 77% das vítimas de homicídio são negros. “Isso exige intervenção não apenas na redução de homicídios, mas no modelo de polícia que somos capazes construir para essa juventude”, ponderou Pedro. “Embora a PM esteja se ‘rejuvenescendo’, ainda há um antagonismo gigantesco com essa juventude que está morrendo. Se não superarmos isso, vamos continuar com a lógica do confronto e do extermínio.”

Pedro utilizou o exemplo dos conjuntos habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida para sugerir maior integração entre as instâncias municipais, estadual e federal na região metropolitana. “Estamos vivenciando uma política de habitação que tem mudado a configuração da Região Metropolitana, mas os agentes de segurança locais não são consultados sobre isso.” O resultado são casos como o de Barros Filho, na Zona Norte do Rio, onde 80 famílias do condomínio Haroldo de Andrade I foram expulsas por traficantes. Mas a situação pode mudar: “Estamos conversando com o governo federal para que se crie a exigência de diagnóstico de segurança antes de implantar um condomínio do Minha Casa, Minha Vida”, contou Pedro.

Mais prevenção, menos polícia

“Precisamos pensar a segurança dentro de um cenário extremamente desigual.” Pedro Strozenberg, secretário executivo do ISER

A integração de diversos setores do governo na elaboração e implantação de políticas de segurança, contudo, deve ir além do poder executivo. O cientista político João Trajano, do LAV-UERJ, enfatizou a importância da articulação de políticas públicas com a sociedade civil e com outros poderes, como o judiciário. “A gente se acostumou tanto a pensar e olhar para a polícia que ela se tornou nosso principal interlocutor na questão da segurança pública. Não conversamos com o Judiciário nem com o Ministério Público, que seriam figuras mais fáceis de interlocução”, argumentou.

Nesse sentido, segundo Pedro, o foco da segurança acaba sendo em medidas reativas a problemas pontuais — e não em políticas focadas na prevenção da violência estruturadas em várias instituições do poder. “O Rio se destaca negativamente nesse aspecto”, afirmou, lembrando a ausência de políticas de prevenção na história do estado.

Mudanças estruturais

O debate destacou intervenções estruturantes na questão da segurança, como a participação dos municípios na elaboração de políticas públicas, sobretudo de prevenção à violência. O subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Secretaria de Estado de Segurança, Antônio Roberto Cesário de Sá destacou a execução do Plano Estratégico da Polícia. “Para a informação, precisamos analisar, fazer diagnósticos, medir, monitorar e consertar os problemas”, ressaltou. Ele destacou também a mobilização dos policiais para a redução da violência através de incentivos, inclusive em dinheiro. “No passado, prisão e apreensão eram metas. Hoje temos como metas redução de homicídios e autos de resistência”, lembrou.

O subsecretário anunciou a criação de novas sedes de Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP). “A RISP agrupa algumas características socioeconômicas e geográficas dos territórios”, definiu ele. Segundo Roberto, o governo implantará ao todo sete RISPS no estado do Rio. Duas já estão em operação – uma em Campos, para atender toda a região Norte e Noroeste; e outra em Volta Redonda, com foco no Sul fluminense. As próximas serão em Mesquita, para atender a Baixada; e São Gonçalo, para a Grande Niterói. “São Gonçalo é a cidade é mais populosa da região, e também onde há os índices de criminalidade mais altos”, comentou o subsecretário.

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A crítica à responsabilização exclusiva da polícia na questão da segurança pública foi mencionada pelo chefe do Estado Maior da Polícia Militar, o coronel Robson Rodrigues da Silva. Ele questionou a visão de que mais policiamento possa resolver totalmente o problema da segurança pública: “A questão se resume a mais policiais. Sempre mais do menos, será que devemos investir somente nisso?”

Ecoando João Trajano, Robson lembrou a falta de diálogo com outras instâncias do governo, em especial com o Ministério Público. “Não há sinergia no nosso sistema. Ele [MP] é um órgão fiscalizador da atividade da polícia e um ator que não está muito presente.”

O chefe do Estado Maior da PM não aposta na desmilitarização da Polícia Militar, e sim na modernização, baseada na construção de novas sedes administrativas, com quarteis menores, mais modernos e menos custosos; na reforma do ensino na Academia de Polícia Militar; e na criação de batalhões de proximidade. Segundo ele, a Tijuca receberá o primeiro Batalhão de Polícia de Proximidade (BPP), e o 6º BPM será vendido. A iniciativa será o passo seguinte à implementação da Companhia Integrada de Polícia de Proximidade (PCC), que já existe no Grajaú e em Niterói.

Saúde é tema do próximo encontro, em São Gonçalo

O próximo encontro ciclo ‘Rio Metropolitano: Desafios Compartilhados’ será sobre Saúde, em São Gonçalo, em 28 de maio. Os encontros tem patrocínio da AEERJ (Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro), do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) e da Águas do Brasil, além do apoio da Firjan, Prefeitura de Niterói, Fórum Permanente de Desenvolvimento Estratégico do Estado, jornal Extra, Associação Brasileira de Consultores de Engenharia, Casa Fluminense, Ope Sociais e do site Vozerio.


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